domingo, 23 de dezembro de 2007

Natal-menino

Natal é tempo de infância,
de choro - menino,
de capim no campo árido
do Seridó.

Natal é tempo de orvalho,
de bois ruminando, de galos
e girassóis.

Natal é broto
de meu Lírio da Paz,
é encontro de janelas
e luzes.

Natal é o beijo
na essência de nós mesmos.

Maria Maria

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Águas doces


Sou uma concha das águas doces,
do oceano Dourado,
como o peixe do açude magro
de sol sem chuva.

Sou uma concha das quebradeiras
nos tempos invernais,
das correntezas
desse cinza – verde –lilás.

Sou uma concha aberta,
a sílfide dos lagos- conchas,
das areias tontas,
naturais.

Maria Maria

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Pelos ventos

Vai o vento soprando
a linha do aprendiz.
O tempo todo cantando
canções feitas de anis.
As vozes das águas levando
canções feitas de giz.
todos os pássaros voando
nas asas dos querubins.
vai o vento me levando
por um bico de concriz.


Maria Maria

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Com flores nas mãos

Carregando deito oferendas
no meio ou no centro do chão
vão-se oferendas em flores
às deusas da emoção.

Vão-se em buquês de palvras,
em galhos na imensidão
cada palavra um ninho
cada verso uma paixão.

Maria Maria

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

(Re) nascimento

Quando penso que sou senhora de mim
mesma e quando a sombra da noite (em
lençóis tímidos de vento) se desfralda no
vôo do amor começo a rever-me num
espelho de lagos-ninfas e rosas muchas
se tornam luzes de renascimento.
Maria Maria

domingo, 23 de setembro de 2007

Passos

Passos, passos...

Minha direção inexiste.

Somente o que me alinha

(nesse desalinhamento de mim)

é a sombra de minha voz

que ecoa em voz afrodítica

o canto rouco da coruja.

Maria Maria

Banho de leite


Para a poeta Jeanne Araújo


Minha vida é um fado. Tão romântica que

chego a me sentir em Lisboa, caminhando

pelas ruas tímidas daquele lugar (um pouco patrício).

Tenho "insights" submissos. Nem sempre, mas os tenho:

cuidar das partes íntimas da casa que me acolhe, da comida

que alimenta os entes e da cama, cujas noites solitárias

carecem desse pouco de submissão que, ainda, me resta.

Às vezes, toco fogo em meus velhos retratos de dona de casa.

O avental (que nunca me serviu), os paninhos higiênicos

(que nunca precisei usar) e aquela camisola amarrotada que

você tanto gostava e sempre me dizia, quando eu desfilava com

ela pelo quarto: "você lembra o jeito de mamãe". Passou!!!

Agora, com ou sem camisola, desfilo pelo meu quarto e o meu

companheiro (por ora inexistente) me fala sorrateiro com o

olhar: "tire a roupa, você lembra Cleópatra". E eu, envaideida,

tomo um longo banho de leite e sou deusa de mim mesma.


Maria Maria

sábado, 15 de setembro de 2007

EQUADORES

Preciso realinhar meus equadores,
minhas linhas sazonais, meus reflexos solares,
meus lençóis lunares...

Preciso abraçar a lua
e debrucar-me nua
sobre seus litorais.


Maria Maria

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Nós (em nós)



De raíz em raíz,

a folha a tarde molha,

morna (a tarde)

em pingos de orgasmos verdes.


Maria Maria



sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Gosto


Gosto mesmo do imprevisível:

dos beijos suspensos no ar,

da voz que fala em silêncio;

do olho que diz sem falar.



Gosto mesmo do olhar,

da voz e do toque,

da língua e do choque.


Gosto...



Maria Maria
O adeus dos poetas


No dia em que os poetas

se disserem adeus,

a alma humana se perderá

no escuro da palavra.


Maria Maria

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

O chão de mim
O chão de mim
é pluma e cetim.

É noite em plena tarde,
é febre que arde.

É farol sem direção,
é luz na imensidão.

O chão de mim
é linguagem sem imagem

à margem
da ilusão.
Maria Maria

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

FUGA

Sinto-me assim
Meio neutra
Não vou ao telhado
Nem ao jardim

Sinto-me assim:
Ora gata
Ora rosa
Ora jasmim

Sinto-me assim:
Galinha no poleiro
Silêncio no chiqueiro
Orquídea no xaxim

Por que me sinto assim?
Não sou da cidade
Não sou de Pequim
Sou um poeta ou um arlequim?

E nessa viagem
De sentir-me assim
Estou no anonimato
No meio do mato

(Estou bem aqui).

Na ponta do lápis
Escondo-me assim
Sou uma andorinha
Sou um bem-te-vi.

Maria Maria

segunda-feira, 30 de julho de 2007


Maturidade das mãos


Minhas mãos:

dois pincéis

em veios

por onde jorram

tinta azul.


Maria Maria

segunda-feira, 16 de julho de 2007


Órfã


Sou órfã
de tua boca e músculos

Muito!
de teu músculo generoso

Sou órfã
de tudo que lembra
o teu olhar fogoso

Sou órfã de tua mão,
que feito cão,
me morde o pescoço

Órfã de teu cheiro doce.
Muito, de teu calor

Órfã do teu amor.

Maria Maria





domingo, 8 de julho de 2007



Domingo

O dia me entorpece!


Domingo dia e noite;

domingo insípido e cru.


Domingo de solidão...


Quero a nudez da semana

e as vestes de Cleópatra ao chão.


Marco Antônio...

César ou João

(do cerrado)


Quero um bicho no pasto;

mastigando,

ruminando,

transpirando paixão.



Maria Maria

sexta-feira, 29 de junho de 2007

Lua vermelha

Minha lua
de fêmea vermelha


todo trinta

(se for de trinta)


vem descendo

na maré cheia


feito borrão de tinta.


Maria Maria

sexta-feira, 22 de junho de 2007

Redonda

Eis que me arredondo

(feito lua cheia)

grávida

do teu desejo.


"Eu, do teu"


Maria Maria
Ladrilhos

Foi no ladrilho,

no chão de insetos-gente,

foi tão quente,


o meu amor!


E fostes silo

em minha cintura,

fostes a ternura


Ó, meu amor.


Maria Maria


sábado, 16 de junho de 2007

Elo

Entre a hora do encontro
e a fome de ter-te em mim,
meu corpo- tua casa- em espera,
estado de loucura sem fim.

Por que demoras, meu peregrino?
Que estrada te deserta nesse deserto de mim?

Onde andam as esferas do nosso gozo marfim?

Vem voando, anjo aberto,
vem cá perto,
dá-me a boca feito verso

Tira esse deserto de mim.

Maria Maria



domingo, 3 de junho de 2007

Andorinhas


Narciso veio de longe, dos reflexos verdes, do limo. Chegou atento e altivo, pisando o ocre- pedra. Veio da semente, sem na mente dizer o que queria. Banhou-se nas colônias de lua, que hidratavam a minha pele. O sol e o canto dos pardais anunciavam a majestosa chegada. A boca do meio-dia, ainda entreaberta, esperava a voz da tarde que cheirava a bule com chá de capim-santo. O cheiro do mato orvalhado pelas gotas fugidias de chuva espalhou-se pelas veredas dos raios solares.
Entre o intermediário das dores, de mais um dia, aguardei os espelhos refletirem sobre mim numa ânsia de fome e sede enquanto os galhos da algarobeira, repleta de filhos-frutos, balançavam sob o impulso do vento.
A aragem abrasadora desfiava linhas em um tecido de solidão. Narciso apeou sobre a serra e tirou as vestes de si mesmo. Eu o vi sem manta, apenas com a musculatura que Deus lhe deu. Sua haste em repouso, exibindo o brasão, parecia à primeira vista, um pássaro no ninho. Olhei discretamente para o conjunto da obra, assim como todas as andorinhas, que por ali, sobrevoavam em busca de seu bando.
O açude de pouca água - macho poço – esperava as mãos-conchas daquele certo homem nu. Ele abaixou-se, curvando-se até alcançar as aguazinhas que desfilavam numa leve correnteza e mirou-se. Seu rosto ainda em estado de sono era lavado delicadamente e eu somente o observava, até que ele vendo-se, engoliu em seco a imagem cansada de um viandante solitário.
Aproximei-me. Usava um vestido de chita e meus pés acariciavam a terra, suavemente. Ele virou-se para mim, tirou-me a veste em pensamento e com seu jeito de negro arco-íris que costura girassóis de manhã, abraçou-me ainda em pêlo. Senti-me égua nua no meio do sertão.
Os galhos brancos do Seridó ultrapassavam as fronteiras e protegiam a plantação castigada pelo estio. Bravo algodão, desbravadoras mães férteis. Molhei-me duplamente e nessa ambigüidade, deixei que a cena iniciasse o seu primeiro ato.
As pernas do cavalheiro dos sonhos atavam-se as minhas, logo que a gruta de Vênus abria-se para a chegada do mito. As bocas salivadas, pareciam duas canoas, escorregando no leito de um imenso rio. Deixei-me navegar e os continentes de minhas formas, ainda inavegáveis, tornaram-se vias de acesso ao ponto G.
O navio adentrava, desvirginando aqueles mares. Narciso, cujo nome até então desconhecia, fazia de mim a sílfide que lhe deu a beleza e o encantamento. Contudo, não menos que de repente, o espelho partiu-se, adentrando a escuridão lamacenta daquele açude de águas temporãs.
Voltei à realidade e, como nada podia fazer, a não ser guardar na memória aquele encontro, igualei-me às andorinhas e saí voando em busca do meu bando.



Maria Maria

segunda-feira, 28 de maio de 2007

Sepultei a borboleta

Sepultei a borboleta!
Meu corpo jaz em silêncio
por sete dias.

As asas em morte,
na pedra opaca do teu tórax,
fazem refrão
da melodia.

Sem crisálida,
sem metamorfose,
sou um facho de luz
em agonia.


Maria Maria
Fálicos

Quero escrever
com meus dedos
a língua que falo.

Que falo!
Falo, pois toca
a língua

dos meus dedos.

Quero dar-te
um beijo de língua
com a ponta

dos meus dedos fálicos.


Maria Maria

domingo, 20 de maio de 2007

O que eu faria?


Um vestido de chita usaria
Tecido com fios de céu e vento.
Andaria pela rua em fantasia
Sem lembrar da dor e do tormento.

Usaria sapatos brilhantes
Pés-de-asas serelepes.
Uma bolsa de cristais saltitantes
Para colher flores campestres.

Seria então cidadã da terra
Misto de mulher e menina
Ou poeta que acerta e erra
Catando um verso pra essa rima.

Seria então Maria ou Carolina
Entre tantas as que conheço:
Isabela, Anabela, Marcolina.
Simplesmente Mulher, é o que mereço.

Maria Maria

quarta-feira, 2 de maio de 2007

Leito de chuva X cama de sol

Dormirei serena nesse leito de chuva até que a manhã, numa cama de sol, me saúde com cantos de rouxinol. Não importa a cor da melodia, nem o deserto que virá depois, não importa a luz, mesmo que ela me antecipe se será morno ou frio, aquele dia. Não me interessam as previsões temporais, (talvez quebre o pluviômetro) nem as notícias de que a quietude apagara as páginas de ontem. Não importa as horas mortas. O que me aflige ou que me rouba as ilusões é o desenho da fala fria de tua voz, dizendo ser natural a desilusão.
De que adianta meteoritos, estrelas cadentes se, cá dentro, ouço trovejar meu coração?Tenho medo da dor, do estrago, desse afago, de um amor mudo. Tenho medo do tudo que vive nessa palavra (amor). Queria apagar meu mundo, ou parte dele. Descanalizar o sangue quente das minhas vias, embalar-me numa rede de canção. Queria tomar o vento, senti-lo na imensidão da palavra e tornar-me marinheira de muitas viagens. Queria aportar num porto (talvez seguro, talvez!). Se possível fosse, sairia de mim, numa viagem transcendental... e a outra parte que restasse desse corpo, jaz inóspito, seria legado da terra, do chão que me viu nascer.
Contudo os desejos são idéias, não têm forma, nem retratos, nem imagens (concretas), nem virtudes e vícios. Os desejos são vazios, ocos, sem medula...
Dormirei, ainda assim, nesse leito de chuva, na mesma cama de sol, no lençol que cobriu seu pênis úmido de prazer. Deitarei sobre o colchão, meu paparazzi, lamberei o que restou de tua saliva e deslizarei a língua no esperma que seu membro deixou. Farei um show para mim mesma: tirarei as vestes vermelhas, jogarei a flor no chão, passearei a mão em mim mesma, serei orgasmo, tara, volúpia, êxtase, tesão.

Maria Maria
FANTASIAS DO OLIMPO

Quando estava sobre você:
Afrodite;
Quando deitava sobre mim:
Teseu;
Quando planejei:
Perséfone;
Quando rompeu:
Prometeu;
Quando me despi:
Deméter;
Quando me devoraste:
Zeus;
Quando adentrei a gruta:
Vênus;
Quando me mataste:
Perseu.


Maria Maria