domingo, 26 de dezembro de 2010


Lobos e flores

Estar entardecida
é a primeira pétala
da manhã.

Manhã que
anoitece e sombra,
que vagueia e faguz.

Manhã que amadurece
nas folhas do amanhecer
e que se veste de santa.

Manhã desengravidada
de dores de parto
(rebentada)

Manhã em cio
noite miada onde
uivam lobos e flores.

Maria Maria

sábado, 18 de dezembro de 2010


O gosto da infância

As minhas infâncias
têm cheiro de capim
adoçado com água de chuva.

Tem João, o doido, criando
e recriando-se nas nossas
imagens matinais.

Tem sapatos e roupas novas,
sinos na decoração da casa
e a luz do tempo natalino.

Tem também azedinhas verdes
e ardentes nas tardes em
que o tempo se finda.

Tem a indefinção solitária
da aparência temporal que
se configura em retratos subjetivos.

Tem, enfim, toda a dor e a ausência
e, perene, o verdadeiro sentido
da vida.

Maria Maria

Imagem da net

sexta-feira, 19 de novembro de 2010


Substantivo abstrato

Ausentei-me esses dias
de minhas verdades
- e tornei-me águia.

Naveguei as águas
que choram das flores
- e me perdi.

Tornei-me ninfeta
dos anos maduros
- e virei sentimento.

Sou saudade
que goteja dores pelas paredes
- internas da alma.

Maria Maria, in Outônicas

domingo, 31 de outubro de 2010


Arqueira

Tentei ser arqueira
a vida inteira,
o tempo todo, eu juro!
Mas as flechas sorrateiras
só acertavam o escuro.

Maria Maria

terça-feira, 12 de outubro de 2010


Alquimia das flores

Na mesinha
de madeira umburana:
um buquê
de flores plásticas,
vindas do expurgo
da falsa floricultura.
As flores chegadas eram alquímicas
como o meu coração renovado.

Maria Maria

sábado, 18 de setembro de 2010

Voz

Tomara em Deus
Que o silêncio insípido
De tua voz
Não me roube
Os sentidos.

Maria Maria

sexta-feira, 3 de setembro de 2010


Alma de pedra

Tangível ou intangível
minha alma flutua
entre as flores como
um barco navega
entre as cores.

Maria Maria

Foto: Luiz Gustavo - Currais Novos, RN

quinta-feira, 19 de agosto de 2010


Manhã

Estavas folha, esta manhã
e sorrias para meus olhos
-nada azuis-esverdeados-,
mas de caule seco.

E me dizias sereno
que a manhã
nascera para mim.
(Nem entendo muito de manhãs)

O meu tempo é de um noturno indefinível,
mas noturno.
O meu tempo é dialético
e furta-cor.

Um caleidoscópio
que só tem sol
ou uma colorida manhã
a mim desconhecida.

Maria Maria

sexta-feira, 13 de agosto de 2010


Plantação

O agricultor plantou um verso:
regou cada palavra,
arou a terra,
preparou o chão,
deixou brotar
(um botão)

Aí, veio a inundação!

Que pena!

O agricultor lamentou,
sentiu,
chorou,
praguejou o mau tema:

?
!

E viu que é mais fácil
plantar algodão
do que escrever um poema.

Maria Maria

quarta-feira, 4 de agosto de 2010


Cama de boa-noite

Uma cama de boa-noite
estendia-se sobre aquela
esquina entardecida.

E girassóis e pássaros
e cânticos e louvores
abriam-se:

como se abre
uma flor ao romper
das noites seridoenses.

Maria Maria

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

CANÇÃO DO TEMPO DOCE

À segunda hora da tarde
o quebra-queixo
é vendido pelo doceiro,
e o tempo doce de coco,
o tempo ameno de amor
vai se desmanchando
em guloseimas e babas
que escorrem pelo canto
mais escondido,
da boca.

Maria Maria

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Queridos amigos,

Hoje não tem poema, mas tem prosa!
Nasceu um novo blog, desta vez mais
chocalhento e falador.
Espero a visita de todos na nova
casa. Entrem, liguem o rádio e
saboreem esse novo espaço.

Grata,

Maria Maria
http://bebiaguadechocalho.blogspot.com/

domingo, 18 de julho de 2010


lembranças do ontem

Eu me dizia longe
-ontem-
havia me desconstruído
um pouco em retalho.

Agora,
com toda uma alegoria
-nova-
me construo e me refaço.

Maria Maria

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Esse poema precisava
cair aqui!

AVIDEZ

E eu que imaginava
Estar chegando ao fim,
Tu vens e inauguras
Outra vida em mim.

Francisco Alves C. Sobrinho

domingo, 4 de julho de 2010


Mud(a)ndanças

Mudar as flores do jarro,
o canto da mesa
- ouvir outros cantos-,
deitando-se nos Braços de Deus
laranja e ocre.

Esquecer o mundo
e a vida.
Depois, levantar
serena como a aurora
e louvar o novo que amanhece.

Maria Maria

sexta-feira, 25 de junho de 2010


Leito de chuva sobre cama de sol


Dormirei serena nesse leito de chuva até que a manhã, numa cama de sol, me saúde com cantos de rouxinol. Não importa a cor da melodia, nem o deserto que virá depois, não importa a luz, mesmo que ela me antecipe se será morno ou frio, aquele dia.
Não me interessam as previsões temporais, (talvez quebre o pluviômetro) nem as notícias de que a quietude apagara as páginas de ontem. Não importam as horas mortas. O que me aflige ou que me rouba as ilusões é o desenho da fala fria de tua voz, dizendo ser natural a desilusão.
De que adiantam meteoritos, estrelas cadentes se, cá dentro, ouço trovejar meu coração?Tenho medo da dor, do estrago, desse afago, de um amor mudo. Tenho medo do tudo que vive nessa palavra (amor). Queria apagar meu mundo, ou parte dele. Descanalizar o sangue quente das minhas vias, embalar-me numa rede de canção. Queria tomar o vento, senti-lo na imensidão da palavra e tornar-me marinheira de muitas viagens. Queria aportar num porto (talvez seguro, talvez!).
Se possível fosse, sairia de mim, numa viagem transcendental... e a outra parte que restasse desse corpo, jaz inóspito, seria legado da terra, do chão que me viu nascer. Contudo os desejos são idéias, não têm forma, nem retratos, nem imagens (concretas), nem virtudes e vícios. Os desejos são vazios. Dormirei.


Maria Maria

Foto: Eme Gomes

quinta-feira, 17 de junho de 2010


Orvalho no negro da noite

Como ser sereia
nesse chão
que incendeia?

Não fosse a gota
de orvalho que escorre
da chuva
;
;
;

estaria guache
feito anjo drummondiano,

mas lavaria minha alma
com a água que chora

de mim.

Maria Maria

sábado, 12 de junho de 2010


POEMA DE DUPLA FACE

Quero caminhar sobre ti
como quem caminha nas nuvens:

e me dizer todo dia
amor (a).

Quero me fazer algodão
irrigado de poesia

e ser-me inteira tua,
nesta noite de lua.

Maria Maria

terça-feira, 8 de junho de 2010

ONDE NÃO PASSA O RIO

Francisco Carvalho

O rio (dizem) passa por debaixo da ponte
mas, a bem da verdade, o rio
nem sempre passa debaixo da ponte.
Às vezes adormece à sombra das pessoas
à procura de migalhas de amor em cima da ponte.

O rio e a ponte, como todas as coisas
que se encontram em realidades opostas,
são apenas verdades relativas
que roçam pelos nossos sentidos de mamiferos
esmagados pela densidade do eterno.

Até quando me darei conta de que é preciso
rejeitar a falsa premissa de que o rio
passa por debaixo da ponte?

Onde quer que esteja, estarei defronte
dos limites ilimitados do horizonte
onde não existe rio nem ponte.

Tão bonito que veio parar no Espartilho.

quinta-feira, 3 de junho de 2010


RUA DO BREJO

Para Uda, minha irmã

Quando te vejo,
vislumbro o horizonte:
sinto o cheiro do mato
a imponência do monte.

Serras nuas de verde:
cacto, galho, cardeiro,
reservatório de água
na colina do cruzeiro.

Cruzeiro da meninice,
da flor do mandacaru,
do leito do rio seco,
do menino que corre nu.

Crianças livres na rua,
abelhas, picadas, capins,
zigue-zague indo à lua
brincadeiras nos jardins.

Campos de flores roubadas,
de gatos e bem-te-vis,
de noites e madrugadas,
dos beijos dos Serafins.

Saudade lá do meu brejo,
da pura infância que tive,
da caatinga, do cerrado
do lugar onde nasci.

Maria Maria

Escrito em 1986

sábado, 29 de maio de 2010


Mariasas

Voa, Maria!
Dá horizonte azul às tuas asas!
Releva teus espantos
Revela teus encantos
Desfaz com um poema
os tais quebrantos.
E traz o teu sorriso desse tanto.

Chicosol (Chico Alves)Natal-RN

sexta-feira, 28 de maio de 2010


Bagagem

Trago na mala de viagem
um pouco de cinza:

na mão, um punhado
(de algodão),
um cheiro de terra
materna,
um amuleto de xelita,
um vestidinho de chita
bordado com imensidão,
trago também um baião,
amarrado na cintura,
um pouquinho de amargura
derramado pelo chão.

E se mal já fiz um dia
trago um pouco de alegria
e a certeza do perdão.


Maria Maria

sábado, 15 de maio de 2010


Metades

Minhas duas metades
são medidas pela metade.

Metades temporais
e antagônicas.

A metade de antes
é doída e doida.

A metade de hoje,
não se sabe.

É, acima de tudo:
metade.

Maria Maria

Foto: web

sexta-feira, 7 de maio de 2010


Um poema- resposta para uma criança
que perguntou ao poeta como era ser pássaro

Ser pássaro é assim:
come o que deseja,
pula de galho em galho,
canta em assembléia,
ouve o canto de outros pássaros,
mora em qualquer lugar
e leva no seu pequeno coração
a morada da liberdade.

Maria Maria

terça-feira, 4 de maio de 2010


Acúcar

O mel só tem
sentido se adoçado
com o açúcar de
tua boca.

Maria Maria

* Esse poema também está no blog
www.naspontasdosversos.blogspot.com

domingo, 2 de maio de 2010


A quarta

Para meu vô, Justino


A quarta de vovô
não era a quarta-feira
de cinzas.

A quarta de vovô
não era de tintas.

A quarta de vovô
guardava a água
todos os dias.

Não era uma quarta parte
do todo

Era uma quarta
onde havia guardada nela:
água, amizade, saudade, alegria.

Maria Maria

sexta-feira, 30 de abril de 2010


E Maria José Mamede completou:


O vento canta, ainda,
o barulho das águas
no riacho;
quando empurra maretas no açude
e as ondas crespas do mar.
Ele canta e encanta
quando mistura-se à chuva caindo
e cria e recria os rodamoinhos
girando, girando...

Maria Maria

* Isso tudo enquanto o vento me cantava palavras.

sábado, 24 de abril de 2010

quarta-feira, 14 de abril de 2010



Colonização


O índio fechou a toca,
a índia fez a rodilha de tapioca:

O índio disse ao Brasil
-no seu indianês-
que a nata grossa
do colonizador português
podou-nos da cultura nossa.

O índio fechou a toca
- pela última vez-
quando a índia
fez tapioca
para um holandês.

Maria Maria

Imagem da Net
Homenagem ao índio brasileiro (19 de abril), embora todos os dias sejam dias de índios.

sábado, 10 de abril de 2010


Inanimados

No canto mais singular de tua boca
nascem sorrisos sem fonte.

Tão inanimados!
Tão fora do contexto!

Chego a pensar:

__ Serão meus olhos que estão cegos?
Ou meu coração perdeu os sentidos?

Maria Maria

sábado, 3 de abril de 2010

Rompimento

Quando me impediram de falar,
silenciei.

Quando me imperdiram de gritar,
ocultei-me.

Quando me impediram de ser quem eu sou,
tirei todas as minhas roupas e

andei nua pelo mundo.

Maria Maria

quinta-feira, 4 de março de 2010


Cartas
Ao poeta Fernando Pessoa

Não fiz cartas pessoanas
(as ridículas)
Mas tenho a caixa de Pandora
-falsa!-
do tempo em que era jovem:
textos, poemas, cartões postais...
O carteiro sempre me trazia cartas
"ridículas" e estão todas silenciosas
na caixa velha de Pandora.


Maria Maria

terça-feira, 2 de março de 2010


Instantes de querer

Quero o minuto que se inscreve
para dizer-me.

Quero o instante que inicia,
recriando-se.

Não quero prever o amanhã
ele terá seus próprios instantes.

E então estarei livre
do tempo que se foi.

Se a vida não me permitir outros instantes
terei, ao menos, um poema escrito que diz:

__Fui eternamente feliz!.

Maria Maria

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010


Desalinhos


Queria desenhar o mundo
e nele, fazer-me adolescente
ou ninfa
dos Contos de Fada.

Mas meus desenhos
nem sempre seguem o Norte,
não entendo muito de direções
ou de bússolas.

Queria desenhar o mundo e não mostrar
seus efeitos colaterais: Vulcões, terremotos
e acontecimentos naturais que solidificam,
como amálgama, a doce idéia de mundo.

Mas eu posso desenhar o meu mundo
quando colaboro com a minha aldeia.
posso sim permitir que a folha da minha acácia
fique onde está.

Posso permitir que as formigas
- carregadoras de folhas-
façam o seu trajeto como um pássaro
livre no céu.

Posso desenhar um mundo
mesmo que este mundo
seja a representação
do meu universo interior.

Gildecir,
Paula
Maria Maria

Poema construído a seis mãos no encontro de Língua Portuguesa
realizado pela 9 Dired nos dias 24 e 25 de fevereiro de 2010, como parte do programa Olimpíadas de Língua Portuguesa, promovidas pelo MEC.

Tela: Lírio da Paz, por Eme Gomes

domingo, 21 de fevereiro de 2010


Aurora boreal

Eu tive um tempo. Um tempo “vazio”. Não havia promessas, nem expectativas, nem sonho. Talvez poesia. Sim, poesia havia. E lembro, com certa nitidez, de um vento. Não sei bem dele, se era vento norte, sul ou estrangeiro, porém era um vento docemente sensato comigo.
Naquela época eu enfrentava leões, dragões, serpentes ou o que viesse à minha frente. Talvez fosse mais inocente e não pensasse nas conseqüências dos fatos.
Esse tempo tão livre e meu era propriedade privada e lá eu abria janelas, fechava portões, guardava as torres como a proteger-me.
Eu era muito feliz naquela estação temporal e tinha caneta, papel e imaginação.
Não cuidava do jantar e nem esperava o marido. As companhias inseparáveis e mel eram minhas asas. Sim, as asas me levavam ao relógio de Londres, aos Moinhos Holandeses e as Cataratas do Iguaçu.
Eram momentos dourados porque eu tinha 18 anos e esses eram tempos de ouro, de aurora boreal.

Maria Maria

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010


Menina da Terra

Como terra que se compra,
fui lavrada numa manhã.

Não fazia sol e as nuvens
-sereníssimas-

e pouco afeitas a certos desafios
foram se dispersando:

Passarinhos e carneirinhos
transformaram-me numa menina-poesia.

Foi naquela manhã sem sol
às margens do Sertão do Seridó.

Maria Maria

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010


Fantasia

Meu carnaval acontece todos os dias
porque meus desejos experimentam
sempre uma nova fantasia.

Maria Maria

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010


Espelho das pedras

Deixava-me ver
pelas pedras-mosaicos
que serviam de palco
para os pirilampos.

Ali, fiz-me ninfa:

desenhei na areia
o teu corpo,
fazendo-te perfeito e humano
como um semideus desencantado.

Maria Maria

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010



Três quartos

De fora, postos à janela:
um lenço branco,
uma luva em renda,
um sinal de partida.

Em meus antigos olhos:
uma tarde rubra,
um certo espartilho,
uma lembrança.

Sobre meus fragmentos:
um pingo de tinta,
uma pena sem cor,
um poema.

Maria Maria

Foto: web

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010


O beijo da palavra

O beijo de Tritão
lê os meus fonemas
e ouve meus sons
de sereia.

O beijo de Zeus
em várias línguas,
faz em mim
oceano e areia.

O beijo de Eros
me despe as palavras
e a paixão, em fogo,
me incendeia.

Maria Maria

Imagem da net

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Estelares

Meu olhar de ontem
-mínimo e grande-
via estrelas no céu.
Via...
via pelas vias de um sonho infantil.

Meu olhar de agora
-oceânico e estelar-
ver ondas serenas
que vem e vão
no balanço do mar.

Maria Maria

sábado, 9 de janeiro de 2010


Areia do Seridó

São minúsculas as pedras
que formam a areia do rio Seridó.
Mas o vento
-soprando suave-
as levam para longe,
para além das aguas.

Que sumam vento adentro
e que rumem para um deserto
onde eu nunca possa revê-las,
porque passarei pelo rio heraclitano
e jamais serei a mesma
areia do Seridó.

Maria Maria