sábado, 29 de novembro de 2008

Dúvidas

Às vezes duvido do poder
do pensamento
e, tal qual pássaro amarelo,
duvido do azul do céu,
do brilho das estrelas,
do reflexo do sol,
do raio e da luz.

Duvido da ânsia
de ser humana no universo
da mulher moderna.
Duvido da fúria do trovão,
da sede que sente o cacto,
da dor de tornar-me obsoleta
em décadas futuras.

Duvido do viço da minha pele
inabitada por fendas oblíquas,
do suor que desliza rio
pelo meu corpo.
Duvido do que sou nessa hora
sem tempo.
Duvido do tempo.

Tenho apenas uma única certeza:
Um poeta dorme em mim,
em dúvida.

Maria Maria

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Repetição

Os dias se repetem:
a chaleira sobre a brasa,
a água borbulhando no escuro,
o cheiro de calendário velho na parede,
a sede de molhar o lençol ao deitar,
a toalhinha íntima com a lua.
Os momentos se multiplicam como as folhas
daquela planta no jardim de verão da tímida casa.

Maria Maria

domingo, 16 de novembro de 2008

Poesia do desentendido

Pouco entendo de poesia,
mas vejo a lua engravidada
de êxtase.
Logo, escancaro minhas janelas.

Maria Maria

Poema dedicado a Cirne e Castro, duas
almas livres do Brasil.

Poesia-nua

Precisava ver meu avesso:

li Pessoa, Rosa,
Ramos Rosa.
Li dos Anjos do céu
e da terra.
Li o Seridó com meu olho
nu de fêmea sertaneja.
Li Chico e Ojuara.

O avesso se escondera:
tirei a roupa.

Maria Maria

José Ferraz de Almeida Jr (Brasil,1850-1899) Moça com livro, 1879, MASP

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

O rio de todos

O rio
que abraça
a ponte
que aponta
para o poente
não é o mesmo
rio de Heráclito,
mas o de todos.

O rio me laça
com suas lembranças
cravadas nas pedras
brilhantes do Cruzeiro,
do navio estático,
próximo ao Pereiro
das Galinhas da Angola
(do Seridó).

O rio
é resiliente:
se preserva e se guarda
e se mantém perene
na memória.
Só me falta a chuva
para eu banhar minhas bonecas
às margens desse rio.

Maria Maria

segunda-feira, 3 de novembro de 2008


À décima hora

À décima hora
a boca do Seridó
se fecha como uma flor
de mandacaru:
os bichos
da terra e do ar
se olham noturnos
e se encerram necessários
como esse poema.

Maria Maria
Foto: As filhas de Raika: Rafa e Gabi

domingo, 2 de novembro de 2008

Seis da noite

Na ambigüidade do entardecer,
o tempo ruiu meus sonhos
e eu apaguei meus poemas.