terça-feira, 29 de dezembro de 2009


O sol

O sol resolveu mostrar-se presente nesses dias de verão. Nada mais natural: é verão no Brasil. Analogicamente, o meu verão também se instala e vem sorrateiro como quem espreita a caça.
Escritos os projetos, vamos às construções: um novo amanhecer, uma cor mais amena para o entardecer, um branco mais leite para o algodão, uma serra mais verde para o coração...
Erguidas as ferramentas, vamos às inovações: um livro com jeito de romance, uma rima transbordada de Seridó, um castelo de sonhos imaginados, uma canção para a vida...
O sol deve se deitar nas próximas horas e eu terei de companhia um pardal, uma folha de acácia, uma vagem de algaroba, uma estrela brilhando e um poema na alma.

Feliz 2010!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Maria Maria

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009



Beco da lama


O beco estreito
da velha cidade
guardou os deleites
dos grandes amantes.

O beco estreito
da velha cidade
guardou uma pedra
de diamantes.

O beco estreito
da velha cidade
guardou as memórias
dos navegantes.

O beco estreito
da velha cidade
beco da troca,
beco da trama.

O beco estreito
da velha cidade
foi beco da dama,
o Beco da Lama.

Maria Maria

Imagem: Overmundo

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009


Natal-menino

Natal é tempo de infância,
de choro - menino,
de capim no campo árido
do Seridó.

Natal é tempo de orvalho,
de bois ruminando, de galos
e girassóis.

Natal é broto
de meu Lírio da Paz,
é encontro de janelas
e luzes.

Natal é o beijo
na essência
de nós mesmos.

Maria Maria

Imagem da net

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Epitáfio para o amor

Enquanto o amor não morre,
sigo a linha
e não há trens
na estação.

Numa tarde indefinida:

Terei a chance
- ao menos a última –
de não chorar pela morte
daquele amor sem estação.

Maria Maria

domingo, 6 de dezembro de 2009


Felina

Sou gata.

Toda noite, no telhado, viro fera
em cima de uma tapera
tão faceira a te esperar.

Sou gata.

Risco um grito sem fronteira,
pois eu sei que a lua cheia
quer em mim se derramar.

Maria Maria

Foto: Goga

domingo, 29 de novembro de 2009


Depois de antes

Branco lençol de algodão
branco.

Branca também era a entre-roupa
jogada ao branco chão de shelita pura.

Branco estava o hálito do leve licor
de cravos brancos.

Branca era a cama,
depois do amor.

Mas havia um botão lilás
sobre o travesseiro:

Bom -dia ou Boa-noite?
Foi colhido nos quintais do Seridó.

Maria Maria

quinta-feira, 19 de novembro de 2009


A poesia está de licença

todas as lamparinas foram apagadas,
as velas já não choram mais,
não há mais luz nos candeeiros,
e a brasa do velho fogão de lenha se diz fria.

A poesia deseja um tempo de recolhimento,
de pausa para a meditação, de chá de camomila,
de descanso e de incandescências.
Precisa dormir com(o) os anjos.

Maria Maria

domingo, 15 de novembro de 2009


Queridos amigos!

Gostaria de agradecer a todos que prestigiaram o lançamento do meu terceiro livro
CONTOS DE UM PASSADO PERFEITO.

O evento foi um sucesso graças a vocês.

Na foto:

O cordelista Antônio Francisco, recitando
Os 7 contos de Maria,
Júnior Caçarola registrando com a sua Rollyflex
e, ao lado, no telão, a imagem do poeta potiguar Nei
Leandro de Castro.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009


Queridos amigos!

Convido vocês a participarem do lançamento do meu terceiro livro em prosa que acontecerá dia 13 de novembro, às 20h, em minha terra natal Currais Novos.

Saudações,

Maria Maria

P.S. Clique sobre a imagem para ampliá-la.

sábado, 24 de outubro de 2009


Mulheres de chão

Vejo um pouco de mulher
nas sementes de algodão
ou nas vagens de algarobas,
plantando doçuras e colhendo rosas
como quem matura o coração.

Maria Maria

terça-feira, 13 de outubro de 2009


Homenagem ao Dia do Professor
15 de outubro


Queridos alunos e educadores,

Hoje, venho dizer obrigada:
pela oportunidade de ser mestra,
pela alegria de receber um sorriso,
pela dose generosa de aconchego,
pela vontade de aprender para ensinar,
pela mensagem de amor no meu dia,
pela força que tenho de lutar,
pela vocação do fazer por amor,
pela crença de que tudo vai mudar.

Creio que nada está perdido
e que a Educação sempre será a fonte inesgotável
de luz que clareia a consciência da humanidade.

Maria Maria

quarta-feira, 30 de setembro de 2009


Chegada

Quando a aranha pousa,
sobre o interruptor da sala,
sei que a poesia chegará.
O toque
- pousado sutilmente –
acenderá os meus versos
e eu serei a mais poderosa mosca
a escrever um poema.

Maria Maria

sábado, 19 de setembro de 2009


Pacto

Fizemos um pacto, meu amado!
Rompi as amarras
e revelei mentiras.
As verdades já são translúcidas.
Desarrumei todas as estruturas
e estou cumprindo a minha parte
no plano:
há dias, não durmo
de baby doll.

Maria Maria

terça-feira, 15 de setembro de 2009


Ausência

A ausência daquele verso noturno
fez-me órfã
do poema.

Mas, logo ao sol
-descido na Serra do Chapéu-
correu ao meu encontro:

filho pródigo.

Maria Maria

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Democracia

O legado grego de vovô
se guarda há milênios,
no porão da clareira.

Dorme na raiz
do meu sangue-índia:

nos cajus,
nas andorinhas,
nos girassóis.

O legado grego de vovô
descansa lívido
na Serra de Sant’Ana
nas terras do Seridó.

Maria Maria

sábado, 5 de setembro de 2009


Seca fria

Caiu um corisco
pontiagudo.

Furou o chão,
matou meu grão
de poesia.

Estou extinta.
em seca fria.

Maria Maria

domingo, 30 de agosto de 2009


Oito dísticos para a minha terra

Queria agora uma tarde de chuva no Seridó
com seu aconchego de mãe verdadeira.

Queria agora construir castelos
na areia permeável do terreiro de casa.

Queria botar água no vaso de louça
para as horas sertanejas.

Queria o lençol de retalhos coloridos
cheirando a pedras do quaradouro.

Queria sentir o redemoinho na entrada da casa
para eu dizer: “cruz, cruz, cruz!”.

Queria um sonho com melaço de açúcar
para adoçar os meus confusos sentimentos.

Queria construir um tempo de memórias
com antíteses disfarçadas em ventanias.

Queria alimentar meus sonhos verdes
Para receber, tranqüila, a maturidade.

Maria Maria

sexta-feira, 28 de agosto de 2009


Ambiguidade

A chuva é ambígua:
entristece-me sonolenta
ao mesmo tempo em que resgata
imagens de ventanias passadas.

Maria Maria

segunda-feira, 24 de agosto de 2009


Nau demiúrgica

E a nau demiúrgica
aportou silenciosa:

mão escrevendo a mata,
olhar taciturno a voar,
voz cantando ao longe,
canto do sabiá,
raiz do cajueiro,
farol a iluminar.

Natal cobriu o Brasil
com as águas virgens
do mar.

Maria Maria

sexta-feira, 21 de agosto de 2009


O amor

O amor é mesmo um ninho,
uma pluma de puá,
um lençol de tafetá,
a morada de um passarinho.

Maria Maria

domingo, 16 de agosto de 2009


À luz de candeeiros

As tardes de um ontem longe
acendem as minhas janelas
à luz de candeeiros
e trazem lembranças sinestésicas:

o cheiro de uma tarde de chuva,
o aroma do café coado no pano,
o sabor da broa de leite.

Em que baú de mim
guardei a rústica parede da infância?
em que tijolo salitre se escondem
meus insólitos segredos?

Maria Maria

quarta-feira, 12 de agosto de 2009


Meninice

No quintal da minha juventude
vô vaqueiro entoava um canto:

__ Beba água de poesia,
menina!
Tome um gole, todo dia
como forma de oração!

Parecia religião
o que vô vaqueiro dizia:
__ Ser fiel à poesia
é dar vida à emoção.

E aí, entre o canto e a voz,
a palavra exalava o tom azul
do meu começo.

Maria Maria

sábado, 8 de agosto de 2009


Com os olhos do dia

Celebro a terra
e batizo
- com a água da chuva -
todo o meu amor.

E com o giro do sol
e a sutileza da lua
dou-me
inteira,

Lúcida
e fênica,
como quem renasce,
das cinzas.

Maria Maria

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

quinta-feira, 30 de julho de 2009


Poema dedicado ao meu pai
Luiz e a todos os pais,
cuja homenagem acontecerá
nesse mês de agosto.

Presente

Papai um dia
me disse:
“Filha, toma a vida
de presente!”

E eu,
displicente,
peguei-a pela
mão.

Papai estendeu-se
mais ainda:
“Filha, toma as rédeas
da situação!”

E eu, que às vezes fico
por um fio,
peguei docemente os desafios
que papai pôs em minhas mãos.

Maria Maria

domingo, 26 de julho de 2009

Saudações, amados poetas!

Venho agradecer a todos vocês e,
especialmente, a nossa amiga Jeanne Araújo,
uma poetisa completa das terras seridoenses,
pela escolha do Espartilho de Eme
como Blog de Ouro.

Recomendo a vocês a visita ao blog
da Jeanne Araújo.
www.jeannearaujo.blogspot.com

Agora, vamos às regrinhas:

1. Exiba a imagem do selo “Blog de Ouro”;
2. Poste o link do blog de quem te indicou;
3. Indique 4 blogs de sua preferência;
4. Avise seus indicados;
5. Publique as regras;
6. Confira se os blogs indicados repassaram o selo.

Os meus indicados são:

www.grandeponto.blogspot.com
www.museudetudo.blogspot.com
www.teiadetextos.blogspot.com
www.eraparasercancao.blogspot.com

Beijos dourados de poesia

sábado, 25 de julho de 2009


Menino do sol

Quando você chegou,
menino do sol,
eu desfiz
minhas sequencias diárias
e renovei:
a toalha da mesa,
as flores de plástico,
as cortinas de chitão
e
acendi o fogo
com um pavio de algodão.

Maria Maria

terça-feira, 21 de julho de 2009



Velhice


A Luiz Carlos Guimarães

Desejo uma velhice festiva:

o girassol girassolando para a pedra
do Navio,
uma vagem de algaroba alimentando
novilhas,
o Seridó poetizando pelas ocres margens
do rio,
o pássaro Craúna fugindo
das armadilhas.

um barril de vinho transbordando
poesia,
um doce de leite cozinhando
no alguidar,
um verso rimado pela minha
teimosia,
um pote antigo para a história
preservar.

E eu recitando um lindo poema de Guimarães.

Maria Maria

sábado, 11 de julho de 2009




Águas

Água de chuva para o corpo cansado
Água de chocalho para o pouco falar
Água de colônia para o cheiro no amor esperado
Água do açude para as partes lavar.

Água de biqueira para uma tarde de chuva em Currais
Água de choro para amaciar a dor
Água de bica para limpar os quintais
Água de rosas para chamar o amor.

Água de poço para o beijo escondido
Água de lua para fazer poesia
Água de igreja para afastar o maldito
Água de nuvem para paixão fugidia.

Água de pote para matar a sede
Água de quarta para lembrar vovô
Água de açúcar para deitar na rede
Água de saudade para molhar o cobertor.

Maria Maria

quinta-feira, 9 de julho de 2009


Baú dos vestidos

Para a minha avó Chiquinha

Todos os meus vestidos
foram tecidos
com os fios dos vestidos
das mulheres de ontem.

Massacrados pelo vento,
apagados pelo destino,
meus vestidos e suas texturas
se refazem todo tempo.

Todos os florais
dos meus vestidos
- vestidos por tantas Marias-
se dobram recolhidos.

São vestidos de múltiplos tons,
de chitas estampadas, de saias rodadas,
guardados delicadamente
no baú ensabonetado de minha avó.

Maria Maria

terça-feira, 7 de julho de 2009


(Uni) inverso

Meu (uni) inverso não permite
a entrada de estrelas cadentes
nem mesmo sóis de sertão,
nem cometas reluzentes,
nem asteroides da imensidão.

Meu (uni) inverso
é cauteloso, paciente
cuidadoso, benevolente
é um planeta solitário
em primeira construção.

Maria Maria

domingo, 28 de junho de 2009


Navegar

Eu não tenho
canoa para navegar,
mas tenho jangadas
que me levam para o mar

de poesia.

Não tenho a proa
para o vento levar,
mas tenho a magia do livro
para me fazer voar.

Maria Maria

quinta-feira, 18 de junho de 2009


Alimentos

Alguns alimentam sertões:

cascalhos,
brotos,
vagens,
navios de pedra,
galhos – meninos,
xiquexiques.

Eu,
amante da poesia,
alimento folhas,
fios,
linhas,
tinta,
fantasia.

Maria Maria

Foto: web

sexta-feira, 12 de junho de 2009


Poema dedicado ao
Dia dos Namorados


O exercício do amor

Acordar com gosto de sol, diariamente;
lavar a alma com água de lua;
hidratar os lábios com doses generosas de beijos;
dizer Bom-dia a um passarinho azul;
roubar um galho do vento;
(ele o traz)

Sorrir com o leite, simbolizado no lençol;
acariciar o ventre inebriado de flor;
fazer porções mágicas com pó de saudade;
cobrir o corpo com pétalas de noite.

Repetir a cada instante:

“Amo-te até o próximo século.”

Maria Maria

Foto: web

sexta-feira, 5 de junho de 2009

O poeta Oreny Júnior fez sua
leitura do poema Digestão.

abaporu tupi or not tupi tarsiwald tarsila
amora amorável d'amaral drummond andrade minas
itabira bira mira alvo transparente branco blanco
octávio paz a espécie poética que lavrae ara a palavra
ao encontro da alma literária de si mesmo de todos nós
antropofagia arrote o egoísmo inumano.

Oreny Júnior

quinta-feira, 4 de junho de 2009


Poema dedicado a Oswald Andrade
e ao movimento antropofágico


Digestão


Comi:
tapioca,
paçoca,
mandioca
(com chá de manjericão)
Arrotei um índio,
quando fiz
a digestão.

Maria Maria

domingo, 31 de maio de 2009

Completando o poema de Moacy Cirne,
o Canto da Boca disse:


tínuo, partilhado, penetrado, tornado, trito, tente, tido, templado, meçado, batente, binado, meta, movido, pacto, pleto, primido, prometido, mungado. Um poema com:

www.cantodaboca.blogspot.com
Sobre o poema Primeiros Momentos,
Moacy Cirne escreve outro poema.


Um poema com sustança
Um poema com susto
Um poema com
Um poema
Um poe
Um po
Um
Um po
Um poe
Um poema
Um poema com:

sábado, 30 de maio de 2009


Primeiros momentos
(nada inéditos)


Todos os dias
bebo um pouco
das nove horas da manhã.

É o meu primeiro hálito
respirado com cheiro de dia
já adolescente.

É o meu primeiro
beijo no tempo
que começa tarde.

E o que vem
são meros plurais,
nada inéditos.

E, seguindo a rota do desconhecido,
vejo-me como a pena
de um pássaro azul.

E, como se fosse eterna,
a tela se repete
como o círculo de fogo no tempo.

Maria Maria

Imagem tirada da net

domingo, 24 de maio de 2009


Renda

Mamãe,
sentada no tamborete
tecia com alfinete
um rolo de bico.

Os bilros,
deslizando pelos dedos,
trançavam um filete
de fuxico.

Mamãe,
sentada no tamborete
ainda com alfinete, dizia:

“Menina, pega uma caneta,
senta na maleta
e vá escrever poesia”.

Maria Maria

terça-feira, 12 de maio de 2009


Sobre o tempo no Seridó

Esse rio de efemérides
desemboca nesses tempos
de invernos incomuns.
Nunca vimos nossos espaços mofados,
esse cheiro pesado de guardados,
o vento seco desfiando umidade
como quem desfia um colar de schellita.

Pouco vista é a paisagem verde-bandeira
com guinés, correndo pela caatinga.
E, enfeitando essa imagem,
garças lindamente brancas.
Muito menos se via a água confusa
deitando-se sobre o chão permeável
do Seridó.

O olho da ancestralidade
outrora via um sertão
se metamorfoseando
num imenso mar de águas doces.
E hoje,
eu vejo minha alma
inundada de incertezas.

Maria Maria

Foto: brasilpassaros.blogspot.com

domingo, 19 de abril de 2009


(Des)oriente

Nada me retoma
do tempo das fogueiras:
tiro a roupa, o fogo me espera.

Cada certeza e cada afago
é uma espiã
desvairada.

Tenho a dúvida
como inconsciência
do que sou.

Cada espera
é uma esfera
de luzes e sombras.

Não entendo mais de bússolas
estou em estado
de (des)oriente.

Maria Maria

quinta-feira, 16 de abril de 2009


Gosto da poesia e música
de Oswaldo Montenegro. Segue,
então, um dos poemas- canções
que eu entendo como lírico-erótico.

Virgem (Oswaldo Montenegro/Mongol)


Ela era virgem
E o vento alisava seus pelos pr'ela suspirar
E era um namoro selvagem de sexo de ventania
E quando o vento não vinha
Ela mesmo corria pra ventar
Ela era virgem
E o mar só lambia suas coxas pr'ela se molhar
E ela era só maresia em dia de tempestade
Ela deixava a cidade e abria suas pernas para o mar
E roçava os cães com a pele cálida
Pássaros na mão, cobras no ar
E amava tigres e leões, gatos nos porões
E à noite dormia encharcada

sábado, 11 de abril de 2009


Chuva de abril no Seridó

Dó ré
mi
fá sol

si
bila a chuva
sem sol.
E a chuva
toc, toc...
vai compondo
sinfonias nas teclas
do meu telhado
nesta noite em que
a Vésper fa
la mansamente à lua
que a maré tem dó,
de mim.

Maria Maria

quinta-feira, 2 de abril de 2009


CANÇÃO DO TEMPO DOCE

Às duas da tarde
o quebra-queixo
é vendido pelo doceiro,
e o tempo doce de coco,
o tempo ameno de amor
vai se desmanchando
em guloseimas e babas
que escorrem pelo canto
mais escondido,
da boca.

Maria Maria

Foto:Romance in red" de Alfred Gockel

quarta-feira, 25 de março de 2009


Flor da craibeira

Nesse corpo-menina
- de longa via passada -,
de certos enleios de vida,
de fomes na madrugada,
guarda no sempre uma flor
de craibeira copada.

Maria Maria

sábado, 21 de março de 2009


Desassossego

O instante
às vezes me atormenta:

toca-me o ombro,
desembala meu sono,
acorda o parceiro
que dorme,
mexe na minha loucura,
rouba-me a solidão,
tira-me, escondido,
todos os meus sentidos.

O instante se afoga
nos fonemas da palavra.

terça-feira, 17 de março de 2009


Redemoinho

A noite silenciosa dos meus seios
chega em desalinho:
lenta,
opaca,
tímida.

Solto o verbo na escuridão
e ouço:
passos,
ventania,
redemoinho.

Maria Maria

quinta-feira, 12 de março de 2009














Cantiga para a noite nos Apertados

Na areia de um rio inocente
meus pés-meninos caminhavam.
A pele sentia o frio indecente
e o assobio do vento na madrugada.

Era tímida a noite reluzente
quando a lua refletia na alvorada
e o canto da ave persistente
ecoava nos voos da passarada.

Vi o Pe. Anchieta, pensei sozinha de repente,
Logo que um cipó descia na enxurrada,
uma folha, folhinha, semente
e uma folha no galho desgarrada.

O poeta, a poesia sente!
Disse-me o canto rouco do azulão
e na areia daquele rio inocente
ouvi as pegadas poéticas do meu coração.

A noite em minutos era displicente
e o sol me saudava com uma borboleta.
Deitou-se a última estrela cadente
e a poesia do cajado de Anchieta.

Alisei com os pés a areia-gente
e tentei aprontar a minha idéia.
A poesia voava fluentemente
como a flecha de Aquiles numa epopéia.

Não era a Grécia de Helena adolescente
nem as terras dos pássaros enamorados
nem as pedras, caminhos das serpentes.
Era o rio e a areia dos Apertados.

Maria Maria

segunda-feira, 9 de março de 2009


Tercetos

Toma meu seio, minha voz,
minha mina de amor,
meu coração, minha flor.

Meu corpo, agora,
não mais entende,
de solidão.

Maria Maria

sábado, 28 de fevereiro de 2009


Serpente dos Apertados

O rio dos Apertados
serpenteia o seu nome
e desce escamoso
sobre os rochedos.

E as claras em neve
desembocam nuas
sob a sombra tímida
dos arvoredos.

Maria Maria

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009


Banho de rio nas águas dos Apertados

Banho de rio sobre as pedras.
Nus, você e eu.

E os peixnhos brincando
de infância.

Somos deuses sem nomes
eternizados naquelas rochas.

Maria Maria

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009




VOU-ME EMBORA

Vou-me embora
Vou-me embora
Levo Mário e Bandeira
Vou para as terras do sem-rei
Lá não terei amores
Nem o homem que escolherei

Vou-me embora
Vou-me embora
Levo Mário
e Bandeira
Levo a saudade da terra
Vou ultrapassar fronteira

Vou-me embora
Vou-me embora
Levo Mário e Bandeira
A poesia como escudo
O sonho de um dia mudo
Na ponta de uma estrela.

* Para Mário de Andrade
e Manuel Bandeira, meus
dois brilhantes da literatura
brasileira.

Maria Maria

sábado, 14 de fevereiro de 2009



A LÍNGUA É MINHA

A língua é minha!
Não importa onde ela passe.
Eu posso dizer o que penso
E fazê-lo, também.
A língua é sábia,
Libidinosa,
Perigosa.
A língua dá água na boca
E fala a língua da louca.
A língua míngua
Um desejo,
Um beijo...
A língua desliza
Por todos os continentes
E passa e cospe e brinca
Com os “esses” e “ais” que
Ela provoca.
A língua é o reflexo do
Desejo e goza dos outros.
A língua é doce.
A língua enrola e dobra
No bolso.
A língua ginga e pinga
E grita e diz como quer.
A língua é verso, é livre
Como o livro.
É língua sem linguagem
É órgão ou imagem.
Seja a língua o que quiser!

Maria Maria

sábado, 7 de fevereiro de 2009


Instintos

Nesse jardim de inverno
repousa um passarinho pardo.
As penas
(entre um marrom, um cinza e um marrom)
deitam-se sobre o barro úmido
nessa manhã sem estação.

Maria Maria

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009


Gosto muito da poética de
Ramos Rosa, por isso, O
Espartilho faz questão de
colocar um dos mais lindos
poemas desse poeta português.

A noite chega com todos os seus rebanhos

Uma cidade amadurece nas vertentes do crepúsculo
Há um ímã que nos atrai para o interior da montanha.
Os navios deslizam nos estuários do vento.
Alguma coisa ascende de uma região negra.
Alguém escreve sobre os espelhos da sombra.
A passageira da noite vacila como um ser silencioso.
O último pássaro calou-se.As estrelas acenderam-se.
As ondas adormeceram com as cores e as imagens.
As portas subterrâneas têm perfumes silvestres.
Que sedosa e fluida é a água desta noite!
Dir-se-ia que as pedras entendem os meus passos.
Alguém me habita como uma árvore ou um planeta.
Estou perto e estou longe no coração do mundo.

de A Rosa Esquerda(1991)

Antonio Ramos Rosa