sexta-feira, 29 de junho de 2007

Lua vermelha

Minha lua
de fêmea vermelha


todo trinta

(se for de trinta)


vem descendo

na maré cheia


feito borrão de tinta.


Maria Maria

sexta-feira, 22 de junho de 2007

Redonda

Eis que me arredondo

(feito lua cheia)

grávida

do teu desejo.


"Eu, do teu"


Maria Maria
Ladrilhos

Foi no ladrilho,

no chão de insetos-gente,

foi tão quente,


o meu amor!


E fostes silo

em minha cintura,

fostes a ternura


Ó, meu amor.


Maria Maria


sábado, 16 de junho de 2007

Elo

Entre a hora do encontro
e a fome de ter-te em mim,
meu corpo- tua casa- em espera,
estado de loucura sem fim.

Por que demoras, meu peregrino?
Que estrada te deserta nesse deserto de mim?

Onde andam as esferas do nosso gozo marfim?

Vem voando, anjo aberto,
vem cá perto,
dá-me a boca feito verso

Tira esse deserto de mim.

Maria Maria



domingo, 3 de junho de 2007

Andorinhas


Narciso veio de longe, dos reflexos verdes, do limo. Chegou atento e altivo, pisando o ocre- pedra. Veio da semente, sem na mente dizer o que queria. Banhou-se nas colônias de lua, que hidratavam a minha pele. O sol e o canto dos pardais anunciavam a majestosa chegada. A boca do meio-dia, ainda entreaberta, esperava a voz da tarde que cheirava a bule com chá de capim-santo. O cheiro do mato orvalhado pelas gotas fugidias de chuva espalhou-se pelas veredas dos raios solares.
Entre o intermediário das dores, de mais um dia, aguardei os espelhos refletirem sobre mim numa ânsia de fome e sede enquanto os galhos da algarobeira, repleta de filhos-frutos, balançavam sob o impulso do vento.
A aragem abrasadora desfiava linhas em um tecido de solidão. Narciso apeou sobre a serra e tirou as vestes de si mesmo. Eu o vi sem manta, apenas com a musculatura que Deus lhe deu. Sua haste em repouso, exibindo o brasão, parecia à primeira vista, um pássaro no ninho. Olhei discretamente para o conjunto da obra, assim como todas as andorinhas, que por ali, sobrevoavam em busca de seu bando.
O açude de pouca água - macho poço – esperava as mãos-conchas daquele certo homem nu. Ele abaixou-se, curvando-se até alcançar as aguazinhas que desfilavam numa leve correnteza e mirou-se. Seu rosto ainda em estado de sono era lavado delicadamente e eu somente o observava, até que ele vendo-se, engoliu em seco a imagem cansada de um viandante solitário.
Aproximei-me. Usava um vestido de chita e meus pés acariciavam a terra, suavemente. Ele virou-se para mim, tirou-me a veste em pensamento e com seu jeito de negro arco-íris que costura girassóis de manhã, abraçou-me ainda em pêlo. Senti-me égua nua no meio do sertão.
Os galhos brancos do Seridó ultrapassavam as fronteiras e protegiam a plantação castigada pelo estio. Bravo algodão, desbravadoras mães férteis. Molhei-me duplamente e nessa ambigüidade, deixei que a cena iniciasse o seu primeiro ato.
As pernas do cavalheiro dos sonhos atavam-se as minhas, logo que a gruta de Vênus abria-se para a chegada do mito. As bocas salivadas, pareciam duas canoas, escorregando no leito de um imenso rio. Deixei-me navegar e os continentes de minhas formas, ainda inavegáveis, tornaram-se vias de acesso ao ponto G.
O navio adentrava, desvirginando aqueles mares. Narciso, cujo nome até então desconhecia, fazia de mim a sílfide que lhe deu a beleza e o encantamento. Contudo, não menos que de repente, o espelho partiu-se, adentrando a escuridão lamacenta daquele açude de águas temporãs.
Voltei à realidade e, como nada podia fazer, a não ser guardar na memória aquele encontro, igualei-me às andorinhas e saí voando em busca do meu bando.



Maria Maria