quinta-feira, 29 de maio de 2008

Visão sobre o telhado



Não tenho telhados vermelhos
como Lisboa, ou de vidro
como o Louvre.


Minha arquitetura me permite
apenas ver o não dito sob o telhado
da choupana seridoana.


E tenho uma telha, um talhe
que se entorta a cada pegada de mim,
quando felina.


E tenho, o impossessivo.
O pouco de chuva que respinga
de minhas sendas.


E embora a pena de algum passarinho
desmai sobre meu leito,
tenho no peito, o pouco de mim.


Maria Maria

In Poetas vermelhos

Silêncio

Num ímpeto de buscar
o silêncio, refugiei-me
no útero da palavra.

E o silêncio, de vez!
Rompeu a pele do termo
e pariu-se de si mesmo.

Maria Maria

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Meus pés e a liberdade

Quando meus pés acordam,
ainda limpando os olhos,
conseguem ver o invisível
que se fixa entre o real e o sonho.
Saem serelepes da cama,
entram na velha sandália de asas
e abraçam o mundo, como
se fosse só seu.

À noite, depois de roubar
o viço do dia, correm serpenteando
para seu lugar de aconchego:
lembram das vozes de outros pés,
da imagem de cada rosto,
do jeito sóbrio e lúgubre
de quem se esponja na palavra
o dia inteiro, e diz:

“Quero a extensão da minha liberdade”.
E, entre as letras e os fonemas
dormem o seu sono sagrado.



Maria Maria

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Agora e antes

Havia uma mulher
cigânica,
cavérnica
e
domadora.

Amante
e amada
(pelos cabelos).
Uma mulher
que não usava xampus.

Havia...

A mulher de agora
tem uma calcinha na bolsa,
um sutien de silicone,
uma tatuagem
e não mora numa caverna.

A mulher de agora
é surrealista,
feminista,
liberta, mas
nunca deixará de ser mulher.

Maria Maria

quarta-feira, 14 de maio de 2008

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Ponto final

Hoje não me interessa pensar,
nem mesmo pescar algum boto.

Não me interessam as suas agruras,
os seus desconsolos ou soluços roucos.

Chega de tanta mentira,
o meu choro já me basta.
Eu já me basto.

Maria Maria

Foto: http://bonne.intelligence.free.fr/Kamouniak/pastels%20et%20encres/images/tristesse.jpg

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Para a mãe que há em mim

E o tempo avermelhou
naquele turbilhão de calor:

barro se amoldando,
forma se formando,
círculo se arredondando.

A explosão!

Não era o mundo
das grandes descobertas.
Era a descoberta do mundo:

Mães!


Maria Maria
Foto: leiaorotulo.zip.net/images/momAG.JPG

sábado, 3 de maio de 2008

Olhares

Meus livros
vêem o retrato do tempo:
as nuvens em crisálida,
as asas se multiplicando,
o vôo dos sentidos.

Meus livros
olham a janela
e se embriagam
de poeira e luz.

Maria Maria